Se a Rua Beale Falasse. — Review.

Uma sincera história de amor, com um plano de fundo social.

Fausto
4 min readOct 23, 2021

Conheci o autor e ativista e muitas outras coisas James Baldwin por causa de um professor, estava no inicio da minha pós graduação e o meu trabalho se baseava na literatura africana de países que falam a língua portuguesa, logo o meu interesse pela voz preta na literatura aumentou ferozmente e procurei, como ainda procuro, novos continentes e países com autores que por meio de romances e poesias, transcrevem essas realidades. Foi nesse tempo que “Se a rua Beale Falasse” caiu no meu colo, esse professor me mostrou a história e a luta do critico social norte-americano em todas as suas nuances. Por isso precisava ler alguma coisa dele.

No meio de outros grandes nomes do ativismo pelas causas negras dos anos 60 como Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Jr, Baldwin focou a sua arte não só nas ruas como nas letras, o primeiro livro seu que li me impactou de um modo impar. Sou brasileiro, latino, mas por causa da nossa sociedade enlatada, já absorvi muito da história norte-americana por causa dos filmes e todo entretenimento barato que a televisão aberta ou fechada nos jogam goela abaixo e como um brasileiro, de classe baixa e pardo, já sofri muita impunidade, mas não no nível que um preto sofre, mas não é por isso que vou ficar de braços cruzados e dizer que também não é minha luta, temos que realmente entender e ajudar no que puder, ler Baldwin me fez entrar na pele por algum tempo, do que faziam e ainda fazem com afro-americano naquele Harlem dos anos dos anos 60 e 70 onde o o livro se ambienta exatamente.

Entre o amor e a violencia.

Agora vamos para o livro, que por sua gênese é um romance, não só na linha de um livro romanceado, mas de um drama romântico e um dos bons, com uma dose certa de açúcar. A história é sobre um casal Tish e Fonny, ela uma sonhadora, a nossa narradora, uma jovem que acredita no amor e por vezes é muito ingênua, já Fonny é mais decidido, um artista, mesmo ele não gostando dessa alcunha. O jovem é um escultor, que entende a sua habilidade e quer uma vida muito melhor. Durante o livro nós entendemos como o amor dos dois cresceu e floresceu de uma forma tão natural e bonita, amigos desde a infância, os dois praticamente pediram um ao outro em namoro por osmose.

O livro te leva por várias linhas temporais, onde o casal se muda do Harlem para a rica e Cosmopolita Manhattan, onde eles percebem que o racismo parece uma doença e está infiltrada em todos os graus e linhas do mundo que vivem. O romancista Baldwin dá lugar ao seu lado ativista, para mostrar toda essa cultura enraizada cruel que infecta policiais, juízes, advogados, vizinhos e mais camadas de uma cidade suja por dentro e por fora.

O livro sem muito spoiler muda nas partes em que Fonny é preso injustamente por ser confundido por uma vitima de estupro, no qual um policial racista ajudou a incriminar e a quest hercúlea de Tish agora grávida para inocentar o seu marido. Outro ponto maravilhoso do livro entre o amor dos protagonistas e toda a critica social são as famílias dos protagonistas. A família de Tish é incrível e a apoia com felicidade por meio de muita música, uisque e felicidade, mimando a filha de um modo caloroso, já a mãe de Fonny tenta dançar conforme a dança do homem branco e toda a sua história de meritocracia, chegando a amar muito as suas filhas por elas terem a pele um pouco mais clara.

A problemática do Homem Branco.

Quando Fonny é preso, você não tem a visão carcerária dele por que quem está narrando é Tish, mas pelas visitas dela e as suas histórias, quem lê o livro começa a criar uma ideia do que esta acontecendo. Assim numa das minhas partes favoritas quando Fonny que imagina estar vivendo o “American Dream” em Manhattan esta conversando com o seu amigo Daniel, um ex-presidiário que desabafa com o amigo um pouco da sua experiência na prisão por ter um pouco de maconha no bolso, Daniel fala “O homem branco é um demônio. Com certeza não é humano. Algumas das coisas que eu vi, cara, as coisas que eu vi, vão me dar pesadelo até o dia da minha morte.” e isso me arrepia até hoje de tão profundo.

A narrativa de Baldwin as vezes pode parecer muito lenta e o autor em alguns capítulos escreve muito e não realiza aquilo que você imagina que pode acontecer, gosto quando ele coloca musica em toda essa atmosfera, principalmente quando você escuta Blue in Green, de Miles Davis, por isso as poucas páginas podem te levar um tempo maior de leitura, mas quando ele acerta no nervo, você percebe e se assusta, mas não é para se assustar, por que afinal são palavras, a realidade sim, essa a gente tem que tomar cuidado.

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Fausto

Análises frias, as vezes com um pouco de ódio e profundidade ousada sobre Cinema, livros e hq´s🎬📝🖊️ | intagram: @CineFausto7